E era debruçado na janela que eu conseguia ver a
imensa metrópole em sua plena essência. Lá do alto tudo se convertia em
miniatura e até o barulho dos automóveis parecia não existir.
Aquela agitação voraz era incrível, assim como o
contraste mais belo das duas visões: a minha e a de pessoas que naquele
instante batiam suas cabeças nervosamente contra os volantes na tentativa de
fugir do beco sonoro.
Talvez a cidade me inspirasse a declamar poesias
tortas, cantar com agudos aterrorizantes ou, simplesmente, afogar-me no eco
sombrio do meu apartamento solitário. Ficar ali, quieto, sozinho, observando a cruel
camada de poluição se confundir com os passos e espaços daquele lugar, fazia-me
querer fechar os olhos e não dar chances ao pôr-do-sol que me impressionava
todas as tardes com sua beleza divina. E à medida que o céu mudara de cor, meu
coração começava a se revirar como um estômago fraco e enjoado.
As memórias iam e vinham, oscilando como ondas que
se transformam e marolas, antes de morrerem na praia. E ali continuava eu, parado,
estático, desenhando seu sorriso em nuvens e bebericando um pouco de café na
xícara com estampas de ovelhas, enquanto minha mente fervilhava como uma
chaleira sobre a chama.
Meus olhos estavam vermelhos quando notei que não
havia mais sol, nem luz, nem carros e barulho. Mais uma vez era hora de apanhar
a velha pantufa, escorregar os dedos pelo controle remoto e adormecer acompanhado
do ego nervoso e apático, ao contrário de antes, quando as noites ainda eram as
melhores noites, quando o céu, mesmo sem estrelas, sorria com nosso sorriso,
quando o lado mais confortável da cama ficava para você ou, quando confundia
sua escova de dente com a minha, dando início à troca de elogios nada
comentáveis. E eram estes momentos que
me faziam acreditar. Para onde teria ido tudo isso? Será mesmo que foi real ou
a ilusão se apoderou de mim e como uma lagarta em seu casulo virou borboleta e
voou?
Ah, droga de sentimento! Queria te abraçar, sentir seu cheiro, estar com
você todos os dias e sorrir com seus desastres característicos. Queria ser eu
apenas mais uma vez ou forte o bastante para entender que agora é adeus, que
não há mais você e eu, que tudo se foi como um sopro ao vento, como uma chuva
de verão que chega de repente e se vai tranquilamente, dando espaço ao
arco-íris que gratuitamente nos contempla com novas oportunidades de seguir
adiante e de entender que nada, absolutamente nada, acontece se o real não for
suficiente para concluir que os bons momentos duram o necessário. E o
necessário pode não durar tanto assim.
Click! Agora sim estava um blackout total. Luzes
apagadas, olhos fechados, silêncio amigo-bandido e o tic tac do relógio de
ponteiros me faziam pegar no sono. A cidade estava calada, sem vento e quaisquer
resquícios de energia humana. Assim, como tudo, acordaria bem para uma nova
chance. Chance esta para fazer desta vez tudo diferente, porque a vida sempre
será o mais misterioso de todos os mistérios e eu estava pronto para descobrir
todos, um por um.
PERFEITO :D
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