{Pensamento} : Quando o trem chegar



Era tarde de outono quando despertei perdido em minha poltrona. A casa estava vazia e lareira ainda continha brasa. O vento lá fora estava calmo, porém gélido demais para mortais preguiçosos, nos quais preferiam o aconchego de uma casa quente. 

Minha vida passara depressa e, mesmo com a idade nada conspiratória, sentia o peso de não ter conseguido cumprir o ditado do filho, da árvore e do livro. Pensara como havia permitido com que oportunidades escapassem de mim como água entre os dedos, como a brisa que movimentava os galhos do velho carvalho. Como consegui? Deixei ou preferi que o tempo passasse, deixei que esta previsível situação acelerasse os passos e me alcançasse mais rápido do que minha sombra pudesse imaginar um dia. 


Na verdade, nem sempre fora assim. Lembro-me que minha juventude baseava-se, simplesmente, nas palavras. E mesmo com todo este meu apresso pela escrita, não conseguira nada de admirável em toda uma jornada, apenas rabiscos de pensamentos soltos ao vento. E talvez o vento tenha mesmo os levados para longe de mim, para longe da minha vontade fulminante de um dia ler em voz alta rabiscos estes que despregaram de meu cérebro velho e cansado. Já dizia minha mãe: ''Arrisque ou não será nada!". Nada? Não sei se assim posso me definir, prefiro deixar com que minhas lágrimas respondam por mim.

A vida não foi injusta comigo, eu é quem fui com ela - talvez não-. As oportunidades foram dadas e eu não as aproveitei. É como ter a vara para pescar o peixe, e eu tinha, porém não soube desafiar meus limites a ponto de trazer para casa o maior pescado dos mares. Posso ter fraquejado, ter diminuído minha capacidade antes de ter ao menos tentado, posso ter agido como tantos por aí, nos quais buscam o melhor caminho do hoje para esquecerem das tarefas árduas de um amanhã ensolarado e difícil. Porém, mesmo com tantos erros e sozinho numa tarde fria, sinto-me feliz por saber que, certamente, alguém lerá isso um dia. 


Sonhar é incrível e é de longe a mais bela viagem que o ser humano pode fazer. Sonhar não custa nada, não dói, apenas alimenta a alma e nos enche de esperança. E pensar que há quem abra mão dos próprios sonhos para viverem os dos outros. Minha vontade e gritar e puxar a orelha de pessoas assim. Acorde! Viva! Acredite!


Você é o que você faz - eu não devo ter feito nada -, assim como é o que come. Dessa vida não levamos nada, além dos bons momentos gravados na memória, seguido dos sonhos disputados até o fim. Tudo isso é uma estrada, longa, mas uma estrada. E assim como nos melhores livros, a vida física também possui um fim. A estação poderá estar vazia quando a hora de partir chegar, mas deve-se arregaçar as mangas, segurar firme a pesada bagagem de tantos anos e embarcar rumo a novos caminhos. Meu trem está partindo e não vou triste, apenas pensativo e relutante com meus pensamentos, tentando entender o que poderia ter feito de diferente e como poderia ter feito. Bom, de todas as formas isso já não adiantara, era hora de observar a paisagem e começar do zero, como no dia em que chorei pela primeira vez ao desembarcar neste mundo que agora deixo. 

Viva o hoje, seja você e crie sua estrada!


Por Guilherme Faquini

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