O Penhasco da Estrada Sinuosa

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Ainda não havia amanhecido quando acordei com o coração acelerado. Eu transpirava e parecia estar perdido em meu próprio quarto. Através da janela embaçada podia-se ver que a lua ainda estava no céu e, no criado mudo, as cartas que um dia você deixou antes de partir.

E assim, como um rio que se mistura ao mar, as lembranças me levavam para o dia em que te conheci, ao nosso primeiro beijo, nossa primeira noite de amor e, acima de tudo, ao dia em que juramos nunca nos deixarmos. Mas por que então estava eu, ali, sozinho sem você? Onde estariam as alavras ditas nas manhãs mais apaixonadas que vivi junto a ti? E você, onde estaria?

Foi inevitável, não pude conter as lágrimas, enquanto o silêncio da noite fria me matava lentamente. Tudo que queria era voltar no tempo e fazer diferente, de maneira que seu sorriso fosse a eternidade da minha alma, agora, perdida e sem direção. Àquela altura as cartas estavam molhadas, a tinta borrada e meu coração a ponto de parar. Era sufocante a falta que você, seu cheiro, seu toque … Tudo me fazia.

Não havia saída, nem ninguém. Onde estaria você, o sentido do que eu costumava chamar de vida?. Talvez se eu gritasse forte, enchesse meus pulmões de ar e esbravejasse seu nome com força e vontade, seus olhos se voltariam aos meus. Mas não havia nada a fazer. Não havia mais nada. Apenas eu e eu acompanhado de uma estrada torta, sinuosa e escura.

Cuidadosamente fechei os olhos, enquanto ao longe via minha vida ficando para trás. Caminhava de costas, tentando não me perder de tudo que estava deixando naquele instante. Porém, assim como no dia em que se foi, senti meus pés falharem ao chão mais uma vez e, como uma folha delicada que se desprega de uma árvore, cai abismo abaixo. Meu corpo parecia ter sido jogado como uma bola de papel ao cesto, a velocidade não me deixava gritar e, à medida que me aproximava do chão, sentia-me cada vez mais fraco e covarde. Era hora de fechar os olhos e acreditar que o fim de tudo havia chegado. E então, a sentir-me cada vez mais próximo do solo de rochas, fechei meus olhos, me abracei e ao sentir o impacto final, gritei pela última e derradeira vez.

- Nããããão!

Ao contrário do que imaginava a queda não havia me proporcionado uma dor infernal e ao abrir os olhos lentamente notei que havia luz e que meu corpo estava aquecido, embora o suor me fizesse parecer ter saído de um bom e demorado banho.

Minha mente estava confusa, minha visão embaçada e minha respiração quase no fim. Mas, mesmo imerso em um medo profundo, notei à frente o criado-mudo onde suas cartas repousavam, ainda com o calor de suas mãos, quando as deixou. Demorei a entender que estava em meu quarto, que o sol brilhava e que você estava ali, deitado, me olhando assustado com seus braços em minha volta. É, você estava ali!

Não havia abismo, nem escuridão, medo ou qualquer outra coisa que me fizesse acreditar que você não voltaria mais. Vivenciei apenas mais um pesadelo vital, no qual não durara muito tempo. Afinal, nem mesmo os precipícios mais cruéis, as sombras mais aterrorizantes e o eco que ecoava dentro de mim, foram suficientes para destruir o que com a verdade foi reerguido: nosso amor. E era este amor que me fazia fechar os olhos e respirar aliviado, pois pesadelos todos temos e eles jamais serão eternos, porque sempre haverá uma luz para acalmar os gritam por ajudar, que suplicam por uma mão estendida e que tentam se livrar da dor do sentimento violado. E ter esta luz repousando ao meu lado, dormindo como um pássaro em fim de tarde, fazia-me acreditar que sim, o eterno existia. E você, por onde quer que eu fosse, estaria sempre junto a mim: em meu coração, onde sua proteção estaria garantida e livre de todo e qualquer mal. Porque te amar era tudo que eu precisava para poder continuar o caminho que eu prometi concluir de mãos dadas a você, mesmo que a vida tentasse-nos lançar penhasco abaixo. E assim seria.

Por Guilherme Faquini

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